Os queridinhos da moda, os óculos de sol e o cinema estão ligados intimamente há quase um século; essa velha combinação de sucesso parece melhorar com o tempo...
Bom, em se tratando de La Fourmi, dizer que o maior vendedor de óculos, em questão, é o cinema, mão é necessariamente um spoiler, seria uma obviedade, mas não vamos parar aqui no raso. Vamos para a profundidade, entender esse fenômeno.
O cinema é a arte mais cara do mundo, o custo de produção é enorme. Vai de alguns milhões de reais e passa das centenas de milhões de dólares no exterior. Chegando, como no recente caso de Avatar 2, a uma estimativa de 350 milhões de dólares em custos de produção e lançamento.
Com números tão significativos, a solução, seja para aumentar o orçamento e ter mais possibilidades de cenas nos filmes, ou para reduzir o risco do investimento, estúdios e produtoras de todo o mundo passaram a inserir, discretamente, marcas em cenas de filmes. Os primeiros registros datam do início do século XX. Em 1927, o filme Wings (William A. Wellman e Harry d'Abbadie d'Arrast) foi a primeira obra cinematográfica com Product Placement a receber um Oscar. Na ocasião, várias cenas mostravam uma barras de chocolate Hershey´s misturadas a outros objetos de cena e até sendo consumido por alguns personagens. Mas foi um pouco mais tarde que o cinema estadunidense se consolidou como maior potência mundial, nas décadas de 70 e 80.
Nesse movimento de expansão e profissionalização do cinema, marcas viram grandes oportunidades, principalmente, a indústria da moda que entendeu o cinema como uma grande passarela para lançar todo tipo de moda e tendências. E dentro da moda, um dos setores que mais se beneficiou foi a indústria de assessórios, com destaque para os óculos.
O Raio que acertou o mundo:
Coincidentemente, em 1986, 2 filmes de muito sucesso foram lançados e mudaram de vez a forma como a indústria da moda veria o cinema.
Primeiro em Top Gun - Ases Indomáveis (Joseph Kosinski e Tony Scott), estrelando ninguém menos que Tom Cruise, o então menino de ouro de Hollywood. Com um “Ray-Ban Aviator”, ele levou um óculos de nicho – normalmente utilizados pelas forças militares, policiais e, claro, por aviadores – a se tornar um dos maiores itens de desejo do mundo. Os óculos Aviator deixaram de ser um adereço cafona e caricato dos policiais estadunidenses e passou a ser a expressão de um estilo na moda.
A inserção comercial deu o que falar, ainda que ela, a inserção, não dissesse uma só palavra sobre a marca. Tão sutil quanto um beijo na nuca do espectador, o óculo encheu pessoas do mundo inteiro de desejo, apenas por posar no rosto da estrela do filme. Em resultados comerciais, à época, se foi noticiado um aumento nas vendas dos óculos, na ordem de 40% por 7 meses seguidos.
Hoje, 36 anos após a façanha, o antiquado óculos criado em 1937, volta a ser objeto de desejo “hypado” e repete o aumento nas vendas no mesmo patamar registrado em 1986. com o retorno da franquia em Top Gun Maverick (Joseph Kosinski, 2022). Segundo a matéria publicada pela Bloomberg UK, a marca registra um aumento de 40% nas vendas do produto, apenas no Reino Unido. No restante do mundo a tendência deve seguir os mesmos resultados. Segundo matéria do site Nossa, do UOL, a busca pelo termo “Ray-Ban Aviator Classic” subiu 110%, após o lançamento do filme.
Ray-Ban é um ícone da cultura norte-americana. Abraçou todos os estilos, desde os executivos com óculos elegantes e design ousado; os militares e força policial com os “Aviators”; e, também, os jovens rebeldes do Rock and Roll e por isso invadiu os mais diversos estilos de filmes.
Como se o caso das vendas dos óculos “Aviator”, já não fosse impressionante o suficiente, Top Gun não foi o primeiro e tampouco o maior case da marca. Três anos antes, o raio já roubava a cena nos cinemas. Contrariando a crença popular, a Ray-Ban caiu nas graças do público várias vezes.
Três anos antes, em 1983, o mesmo Tom Cruise, dessa vez na pele de Joel Goodson, conquistou para sempre o amor dos acionistas da marca de óculos. Na ocasião, o óculos tocado pela magia do cinema foi o icônico e hoje mundialmente conhecido, desejado e usado pela juventude privilegiada, Wayfarer da Ray-Ban, no filme “Negócio Arriscado” (Paul Brickman, 1983). Um ano antes, em 1982, os óculos tiveram uma atuação discreta no mercado, com 18 mil unidades vendidas. Com o lançamento do filme, esse número deu um salto de 2.000%, passando para 360.000 unidades no ano do lançamento e a perpetuação do acessório na coleção da marca.
Esse artigo poderia acumular parágrafos e mais parágrafos de cases da Ray-Ban, como o sucesso absoluto do Ray-Ban Clubmaster no inesquecível “Curtindo a Vida Adoidado” (John Hughes, 1986), quando os óculos vestiram perfeitamente o ator Matthew Broderick, que deu vida ao bon-vivant Ferris Bueller.
A estratégia dá tão certo que a Ray-Ban chega a colocar seus óculos mais icônicos em cerca de 160 filmes por ano. Ainda assim, não é só a Ray-Ban que se aproveita dessa estratégia. Outra gigante mundial dos óculos, a Oliver Peoples, também é flagrada com certe recorrência, pelos olhos mais atentos pelos olhos mais atentos.
Em Sr. e Sra. Smith (Doug Liman, 2005) a marca é discreta e elegante, já em um dos maiores cases da marca, o filme "Clube da Luta" (Brad Pitt usa os óculos em cena por nada menos que 4 minutos e 45 segundos com o modelo Oliver Peoples 523, vermelho extravagante, pulsante. Não há dados públicos sobre os resultados comerciais, porém, estima-se que essa ação de Product Placement acrescente cerca de 16 milhões de dólares, ao valor da marca, até os dias de hoje.
Globalmente, fica claro que o melhor custo x benefício, ou melhor custo x resultado para essas marcas, é o cinema. Nenhuma inserção comercial com custos semelhantes seria capaz de incrementar tanto o resultado comercial, ainda mais de forma tão direta. Talvez a internet chegue perto, ou seja, comercialmente, até um pouco melhor, mas, com certeza, sem o mesmo glamour e ganho de marca permanente.
Voltando ao título da matéria, Individualmente, é provável que Tom Cruise seja o maior vendedor de óculos de todos os tempos. A história nos apresenta centenas de marcas multinacionais que fizeram sucesso, mas Ray-Ban e Tom Cruise é uma parceria que gera resultados permanentes ao longo do tempo e nesse sentido, nosso formigueiro não conseguiu detectar outra parceria de tanto sucesso nos cinemas.
O cinema tem disso, é uma espécie de vendedor sem muita técnica, mas com muita sorte, ou, aparentemente, sem muita técnica, mas, talvez, essa aparente falta de preparo seja o segredo que torna a venda mais simples, menos desgastante e muito mais sutil.
A arte, mais do que entreter, informar e propor reflexões, é, também, uma influência saudável sobre o estilo de vida, comportamento, hábitos de consumo e personalidade das pessoas. O cinema faz com que pessoas descubram como querem ser e como querem ser vistas. Para isso, não há vitrine melhor do que a 7ª arte.
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